Do “lixo” ao luxo: depois de sofrer maus tratos, iguana encontrou acalento no Butantan
Reportagem: Carolina Mangieri
Fotos: José Felipe Batista
12/6/2025
Quem vê Barbecue, um macho da espécie iguana-verde (Iguana iguana), pleno e banhando-se ao sol da manhã, nem imagina que o pequeno chegou ao Instituto Butantan debilitado, com quatro dedos amputados, sem a cauda e com ossos extremamente fragilizados. Seu prognóstico não era nem um pouco favorável. Mas o que parecia uma reabilitação quase impossível provou-se viável com o conhecimento e dedicação dos especialistas do Laboratório de Ecologia e Evolução (LEEv). Agora, de casa nova, ele já está pronto para entrar em exposição e receber as visitas dos curiosos frequentadores do Parque da Ciência.
Os caminhos do lagarto cruzaram-se com os do Butantan em 2024 quando o Centro de Triagem e Recuperação de Animais Silvestres (CETRAS), ligado ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), informou ao Instituto a apreensão de alguns animais. Assim que chegou ao LEEv, Barbecue foi encaminhado aos cuidados do biólogo e tecnologista de laboratório Gustavo Fernandes e do auxiliar de laboratório Adriano Mendes Ferreira.
Adriano (à esquerda) e Gustavo (à direita) dedicaram tempo, atenção e carinho para a recuperação de Barbecue
Já no primeiro exame ficou visível que o novo morador tinha passado por maus tratos. “Ele veio com três dedos a menos na pata da frente e sem um na pata de trás. Estava muito desnutrido e com autotomia caudal [mecanismo de defesa de alguns répteis, que consiste em liberar um pedaço do rabo para confundir o predador e facilitar sua fuga]”, explica Gustavo. Essa prática é bastante vista em lagartixas – nelas, que são pequenas, uma nova cauda aparece em até três meses. A de Barbecue ainda não deu pinta de crescer. O que é natural: em bichos grandes, essa recuperação demora mais tempo.
O pequeno ainda enfrenta um agravante: sofre de insuficiência de cálcio, um provável reflexo de baixa suplementação do mineral quando filhote. O primeiro raio-x feito no LEEv mostrou que seus ossos eram quase transparentes. Para esta espécie, porém, as opções de tratamento são complexas e exigem articulação entre uma boa nutrição e práticas de manejo adequadas, tendo como princípio as melhores condições de bem-estar do animal.
Lagarto chegou aos cuidados do LEEv sem um dedo na pata traseira e com autotomia caudal
O processo de reabilitação foi e segue sendo muito desafiador. Adriano é responsável pelos animais mais delicados e cuidou do Barbecue desde o início. “Como ele estava muito debilitado, olhava para ele e me perguntava se sobreviveria. Ele não comia, não bebia… Se equilibrava em um galho e ficava torto, envergado para trás, como um ‘V’. Dava agonia de ver. A gente o colocava normal, mas ele voltava para essa posição. A impressão que dava é a de que ele se sentia mais confortável assim”, comenta Adriano.
Gustavo e Adriano, começaram a dedicar ainda mais atenção e recursos à iguana. Sob orientação da médica veterinária do LEEv, a dupla investiu em alimentação específica e na mudança das técnicas de manejo do animal. O processo não foi imediato, mas o empenho e amor da dupla resultou na recuperação de Barbecue. Hoje, quase irreconhecível, o lagarto demonstra muita disposição e animação. Além de se alimentar bem e interagir mais com os dois, voltou à postura característica de iguana, sem se envergar como fazia antes. “Ele está muito ativo. Fica andando de um lado para o outro. Não lembra nem um pouco o animal que era antes. É praticamente um outro bichinho”, finaliza.
Iguana passou por processo de reabilitação e hoje consegue sustentar-se na postura adequada à espécie
Upgrade de moradia: de caixa plástica ao recinto de recuperação
No início, para facilitar o manuseio e evitar mais estresse, a dupla de cuidadores adotou uma caixa plástica como lar temporário de Barbecue. “Nós montamos um terrário dentro da caixa de acordo com o tamanho dele. Era mais fácil levá-lo para tomar sol. Como ele não podia ficar muito tempo no sol, porque se cansava muito, vimos uma facilidade. A caixa era alta, com tronco, o que é essencial para as iguanas”, explica Gustavo.
Nessa época, as novas instalações do LEEv ainda não tinham sido inauguradas. Os animais ficavam no antigo biotério do laboratório, em outro prédio. Com a mudança de sede, a iguana ganhou uma nova moradia: um terrário de madeira, um pouco maior que o anterior, que é entendido como mais um espaço de transição em sua recuperação. A ideia era dar mais mobilidade ao lagarto e enriquecer o recinto com outros elementos, como uma lâmpada de cerâmica no topo – o que era inviável com o plástico. Agora, a moradia da iguana é um terrário de vidro de 90 x 30 centímetros, que foi totalmente pensado para suprir suas necessidades atuais e contribuir com sua recuperação.
Barbecue dando os primeiros closes no novo recinto, totalmente enriquecido para seu bem-estar
O novo ambiente busca dar melhores condições de bem-estar para ele: é equipado com fonte para garantir a boa umidade, os tradicionais galhos essenciais para a qualidade de vida desta espécie e outros elementos que farão o pequeno sentir-se ainda mais em casa. Apesar de parecer, essa composição não é uma menção ao feng shui – prática chinesa que harmoniza ambientes para promover o bem-estar. “Boa parte dos iguanas são nordestinas. Elas gostam de ficar em árvores, sempre perto de um leito de água. Não que elas gostem de água diretamente, mas por causa da umidade. Foi de acordo com a literatura que pensamos em incluir uma fonte”, finaliza Gustavo.
Que tal conhecer esse mini querido? Anota aí como:
Serviço
Laboratório de Ecologia e Evolução (LEEv) do Butantan
Visitas guiadas: de terça a sexta, exceto feriados
Horário: 10h | 11h | 14h |15h (quatro sessões por dia)
Vagas: 20 por sessão
Endereço: Av. Vital Brasil, 1.500 - Butantã, São Paulo - SP, 05503-900
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